VINICIUS SASSINE
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)
A PF (Polícia Federalista) apontou a existência de uma organização criminosa e indiciou, em dois relatórios finais, 31 pessoas suspeitas de participação em esquema de fraude e grilagem na amazônia, voltado à geração de créditos de carbono a partir dessa grilagem de terras públicas no sul do Amazonas.
A Operação Greenwashing, resultado de uma investigação feita pela PF em Rondônia, foi deflagrada em 5 de junho de 2024. É a maior fraude com créditos de carbono -o valor movimentado com a venda desses créditos chegou a R$ 180 milhões- já investigada no país.
Mais de um ano depois, a operação policial resultou em dois dos três relatórios finais previstos, elaborados a partir das provas colhidas em diligências porquê quebras de sigilo telefônico e procura de computadores e documentos nas casas dos investigados.
Um relatório, de 108 páginas, foi concluído em dezembro de 2024. O outro, de 392 páginas, em maio de 2025. Os documentos foram encaminhados à Justiça Federalista.
A PF afirmou que o principal investigado se posicionou porquê “o maior vendedor de créditos de carbono globalmente”, inclusive com participação na COP28 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), realizada em 2023 nos Emirados Árabes Unidos. A COP30 ocorrerá em novembro, em Belém.
“Em novembro de 2023, foi atingido um marco significativo, com a expansão para 1 milhão de hectares dedicados a projetos de créditos de carbono”, cita um dos relatórios. “Essa organização vem empregando contemporaneamente estratégias para expandir seu território a dimensões superiores às de alguns estados.” O objetivo era chegar a 3 milhões de hectares, segundo a polícia.
Ao mostrar prática de crimes por secção de 31 pessoas, nos relatórios de indiciamento, a PF disse: “Resta clara a existência de uma organização criminosa coesa, hierarquizada e com atribuições específicas a cada membro, exigindo, assim, a persecução penal dos respectivos integrantes com base nos fatos ora verificados.”
Conforme a investigação, os crimes foram praticados por três núcleos, liderados por Ricardo Stoppe Júnior, Élcio Aparecido Moço e José Luiz Capelasso. A prática criminosa só foi provável com a devassidão de servidores no Incra (Instituto Vernáculo de Colonização e Reforma Agrária), no Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) e em cartórios de cidades do Amazonas, disse a PF.
A reportagem não localizou a atual resguardo de Stoppe Júnior. Jurisconsulto e assessor de prensa que atuavam para o empresário dizem não representá-lo mais, nem ter o contato da atual resguardo. A resguardo de Moço disse que não vai comentar a reverência. A resguardo de Capelasso não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O Incra disse concordar e facilitar na investigação, para medidas administrativas cabíveis. O Ipaam afirmou que não compactua com práticas ilícitas dos servidores e que estava à disposição para facilitar os investigadores.
O esquema investigado envolveu, além da geração de créditos de carbono em áreas griladas, fraudes no manejo de madeira, mancheia fantasma e desmatamento ilícito.
Um relatório afirmou que, do totalidade de 1 milhão de hectares destinados a projetos de créditos de carbono, 537,9 milénio hectares foram grilados. As áreas foram valoradas em R$ 819,9 milhões; houve exploração ilícito de 1,1 milhão de m3 de madeira em tora; comercialização de 179,5 milhões em créditos de carbono; e danos ambientais estimados em R$ 606,4 milhões, segundo a PF.
O segundo relatório, que trata de fatos complementares, cita uma “usurpação” de 146,1 milénio hectares do patrimônio público, estimado em R$ 333,4 milhões; extração ilícito de 391,9 milénio m3 de madeira em tora, com dano ambiental estimado em R$ 178,6 milhões; e venda fraudulenta de créditos de carbono no valor de R$ 106,6 milhões.
O principal investigado é Stoppe Júnior, possuidor do grupo Ituxi, com atuação em Lábrea, no sul do Amazonas. Ele foi indiciado pela PF por suspeitas de devassidão ativa, desmatamento em terreno pública, falsidade ideológica, estelionato, delito contra o sistema financeiro, invasão de terreno pública, lavagem de verba e organização criminosa.
Segmento desses crimes, porquê falsidade ideológica, desmatamento ilícito e organização criminosa na exigência de lideranças, é atribuída também aos supostos líderes dos outros dois núcleos, Moço e Capelasso.
Em junho de 2024, na deflagração da primeira temporada da operação, foram presos preventivamente Stoppe Júnior, Élcio Moço, José Capelasso, Ricardo Villares Stoppe e Poliana Capelasso.
Ao todo, foram cumpridos 76 mandados de procura e consumição em Rondônia, Amazonas, Mato Grosso, Paraná, Ceará e São Paulo, com autorização da Justiça Federalista.
Houve buscas em 22 empresas, quatro cartórios de registro de imóveis no sul do Amazonas e em órgãos públicos porquê a superintendência do Incra no estado e uma secretaria do governo do Amazonas que cuida de questões territoriais.
A Greenwashing já teve seis fases. Uma delas, a Expurgare, prendeu servidores do Ipaam. A Justiça determinou o isolamento de cinco servidores, incluído o logo diretor-presidente do órgão, responsável por fiscalização e licenciamento ambientais na esfera do estado do Amazonas.
Os presos na primeira temporada ficaram detidos por seis meses. Eles aguardam em liberdade o curso do processo. A denúncia ou o arquivamento das acusações, a partir dos relatórios de indiciamento, cabem ao MPF (Ministério Público Federalista).
Os relatórios da investigação apontam a participação de agrimensores e engenheiros, que atuam no georreferenciamento de áreas, em inserção de dados fictícios em sistemas porquê o Sigef (Sistema de Gestão Fundiária).
Essa atuação levava a um “deslocamento de títulos para regiões de interesse do grupo, muitas vezes sobrepondo-se a terras públicas federais ou estaduais”, segundo a PF.
“Com a valorização dos créditos de carbono ao longo do tempo, Ricardo, com Élcio e Capelasso, optou por variar e intensificar suas operações nas áreas adquiridas ilegalmente”, cita um relatório. O grupo atuou com, pelo menos, cinco projetos de créditos de carbono.
Créditos de carbono são gerados a partir de atividades que evitam desmatamento e degradação da floresta. Um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento evitado. Empresas atuam no mercado voluntário, em que os créditos são vendidos a empresas que precisam recompensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.
ENTENDA A SÉRIE
A série de reportagens Mercado de Carbono, publicada às vésperas da COP30 (conferência do clima das Nações Unidas, em Belém), retrata o funcionamento das compensações por emissões de gases de efeito estufa. O tema tem sido discutido entre países, empresas e organismos internacionais, em procura de regras em generalidade para os chamados mercados voluntário e regulado.
