ISABELLA MENON
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A Operação Contenção, que deixou ao menos 64 mortos no Rio de Janeiro e se tornou a mais mortífero da história fluminense, reacendeu o debate sobre a mortandade das forças de segurança e o poder crescente das facções criminosas no estado -o Comando Vermelho foi o principal meta da ação.

Para especialistas ouvidos pela reportagem ela falhou por não estrebuchar as estruturas do tráfico de drogas e por deixar população desprotegida.

Institutos que atuam na espaço de segurança pública e pesquisadores do tema alertam para o risco de repetir uma política baseada em confrontos e mortes. Ao mesmo tempo, reconhecem que o incidente expôs a força bélica e a capacidade de reação do delito organizado no estado.

Em universal, o resultado é criticado por especialistas. “Não pode ser nunca considerado uma situação próxima da normalidade uma operação em que 64 pessoas são mortas”, diz Leandro Silva, primeiro do Fórum Brasílio de Segurança Pública de São Paulo.

Para ele, ainda é necessário cautela para que autoridades esclareçam qual foi o nível de evidências coletadas, o planejamento feito para realizar uma operação desse tipo e qual tipo de estudo de risco foi realizada. Também é preciso calcular se havia previsão de que a operação pudesse gerar uma quantidade tão grande de mortes.

Silva afirma que o estado do Rio de Janeiro, isoladamente, não é capaz de mourejar com o controle territorial das facções criminosas. “É urgente um projecto que envolva o governo federalista de forma regular para malgastar essas organizações. Sem isso, o Estado não consegue retomar o domínio territorial, que hoje é disputado a projéctil de fuzil e granadas lançadas por drones.”

Ex-policial federalista e doutorando do Núcleo de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Roberto Uchôa concorda que a presença do governo federalista é necessária e afirma que a operação demonstrou, pela primeira vez, que o Comando Vermelho já utiliza métodos semelhantes aos de outras organizações internacionais, porquê drones para lançar granadas. “Antes, o drone já era usado para monitorar as entradas [das favelas].”

“O Rio já mostrou que não tem capacidade de enfrentar isso sozinho. Estamos falando de um estado com instituições e poderes com infiltração. É preciso enfrentar isso, mas não é entrando na comunidade trocando tiros”, acrescenta.

O profissional ressalta que o principal problema do Brasil não é o tráfico de cocaína, mas o tráfico de armas de lume. “O combate precisa ser liderado pelo governo federalista em conjunto com os estaduais. As armas entram pelas fronteiras, em aeroportos e por via marítima. Ao evitar que elas cheguem, começamos a pensar em retomar as áreas hoje controladas pela partido.”

Uchôa diz que leste tipo de operação não é novidade no estado. “Esses agentes vão permanecer lá? Não vão. Eles vão transpor. Quem vai permanecer? Os criminosos. Alguém tem incerteza de que eles terão dificuldade para repor o armamento? O Rio de Janeiro segue a mesma receita que zero muda. Vemos isso há décadas e não vemos melhoria na vida das pessoas.”

O Instituto Queimada Cruzado apontou que ao longo do dia, grande segmento da população carioca ficou na traço de tiro e que a cidade ficou praticamente paragem. “Operações porquê essa mostram a incapacidade do governo estadual de implementar políticas públicas de segurança e são o legado de décadas de negligência, tanto de governos estaduais quanto federais”, afirma a ONG.

A organização compara que o número de mortes em somente um dia supera o registrado entre 1º e 27 de outubro -período em que ocorreram 63 homicídios. “O dispêndio real da operação nunca será medido”, diz o instituto.

O instituto disse também que o combate ao delito organizado deveria estrebuchar fluxos financeiros, investigar lavagem de moeda, fortalecer corregedorias independentes e combater a devassidão dentro do Estado. “Tudo que o Rio de Janeiro não faz há décadas.”

A professora do curso de graduação em segurança pública da UFF (Universidade Federalista Fluminense) Jacqueline Muniz classifica a ação porquê “desastrosa e incompetente”. Para ela, a dimensão da mortandade e o impacto sobre a população “revelam mais um incidente de política de espetáculo do que uma política efetiva de segurança”.

Segundo a profissional, operações porquê essa “mobilizam 2.500 policiais numa região com 200 milénio habitantes”, deixando moradores sem policiamento e serviços básicos. A professora lembra que a teoria policial idealiza o concepção de “baixa zero” -sem vitimização nem letalidade- e considera que o resultado da operação merece “nota zero”.

Ela alerta ainda que ações desse tipo não enfraquecem as facções. “É uma mão de obra facilmente substituível, precarizada”, diz, acrescentando que ao expulsar pessoas de grave escalão, a polícia perde elementos que poderiam contribuir com investigações. “Supondo que os 60 sejam suspeitos, estão eliminando a manancial de informações da investigação, da perceptibilidade. Porquê saber o funcionamento do delito se você mata os funcionários que cuidam da ‘firma’?”

A sátira é reforçada por Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Tranquilidade, que classificou a operação porquê uma “tragédia sob todos os enfoques”. Segundo ela, ações de ocupação territorial não atacam a enxovia produtiva do tráfico nem rompem o fluxo de drogas e armas, resultando em vítimas inocentes, fechamento de escolas e unidades de saúde e risco à vida de policiais.

“Essa operação é uma tragédia porque ela mostra a dimensão do poderio bélico do delito organizado no Rio de Janeiro e no Brasil. As imagens que a gente viu pela TV são imagens brutais. A quantidade de armamento, a quantidade de trocas de tiros com armas de uso militar, com uso de mostram a seriedade da situação. E evidente, o Estado não pode permanecer refém desses grupos. Mais uma vez, operações porquê essa não são suficientes para vencer o poderio bélico do delito organizado.”